
Dois APCs franceses no Mali (http://www.csmonitor.com)
Quem segue o Quintus sabe que não tenho pudor em defender o uso da força armada sempre que entendo que esta moralmente se justifica. Ora, o que hoje se passa quer na Síria, quer no Mali, justifica o uso ético desta força. Na Síria, apenas a cumplicidade assassina da autocracia russa e da ditadura pequinesa permite que o regime persista no poder. No Mali, contudo, os islamitas radicais do norte não têm esse tipo de apoio… apesar disso, durante meses, nada se fez, e as grandes “potencias” mundiais deixaram que os radicais instalassem confortavelmente um Estado dentro do fraco, corrupto e ineficiente Estado maliano.
Não muito longe das suas fronteiras do sul, a União Europeia deixou que se instalasse no norte do Mali um regime medieval, retrógrado e profundamente violento: destruição de património histórico não-muçulmano ou não conforme à tendência islâmica dominante na coligação islamita, massacres de civis, prepotências várias, aplicação dos aspetos mais cruéis da Lei Islâmica (Sharia), com cortes de mãos e outras barbaridades medievais, tudo financiado com o dinheiro da droga que chega ao Mali pelas estradas que começam no narco-estado impune da Guiné-Bissau.
O que se passa no Mali já não é apenas a revolta dos tuaregues contra o corrupto Estado maliano sediado em Bamako. O ataque às instalações de extração de gás na Argélia mostrou combatentes islâmicos oriundos de todos os países que habitualmente fornecem recrutas à Al Qaeda e de outros que nem tanto (p. ex. O grupo que atacou o campo de gás argelino era chefiado por um canadiano). Com efeito, esta Coligação islamita já é muito mais que um “grupo tuaregue” e agrega militantes e combatentes de praticamente todo o mundo islâmico, com armas capturadas ao extenso arsenal de Kadafi e batidos dos conflitos líbio, iraquiano e afegão. Boa parte destes combatentes islâmicos no Mali, de facto, já tem mais experiência de combate que as forças terrestres francesas que os combatem hoje no norte do Mali…
O conflito do Mali, a incapacidade em devolver a Guiné-Bissau à “normalidade institucional e democrática e a atitude tíbia e inconstante da CPLP, da ONU e da CEDEAO em relação a estas duas crises expõe as fragilidades do atual sistema internacional de segurança e a necessidade imperativa da sua reforma: desde logo, o Conselho de Segurança tem que ser estendido além daqueles que hoje têm aí assento permanente e o direito de veto tem que ser revogado e substituído por um voto de maioria simples. E tem que haver forças semipermanentes prontas a intervir rápida e decididamente em situações de crise… se a crise no Mali é hoje tão grave isso deve-se precisamente ao tempo que os islamitas do norte tiveram para consolidar posições e preparar a atual marcha para sul.
Por outro lado, os islamitas do Mali tem duas fontes de rendimentos para sustentar as suas guerras: uma menos importante e que são os resgates cobrados a raptos de ocidentais. E outra, a maior, que são as comissões no tráfego de cocaína colombiana, e cujo circuito começa na Guiné-Bissau. Se a CPLP tivesse intervido atempadamente e deposto o narcoregime militar em Bissau talvez agora a comunidade internacional não tivesse em mãos a crise maliana. Talvez.
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