(Programa “Right to Food” da ONU in http://www.fao.org/righttofood)
Segundo o presidente da Nestlé, Peter Brabeck, declarou recentemente que o aumento da área de cultivo de milho e trigo para a produção de biocombustíveis está a colocar em risco a produção mundial de alimentos. Brabeck referia-se nesta entrevista ao jornal suíço NZZ am Sonntag que o “objectivo estabelecido por alguns governos de incorporar até 20% de biocombustíveis nos combustíveis actuais iria aumentar a Procura por derivados de óleo, não restando nada para comer“. E Brabeck focou aqui no ponto que julgo ser essencial neste problema: “Conceder subsídios enormes para a produção de biocombustíveis é moralmente inaceitável e irresponsável“, referindo-se obviamente às políticas que nos EUA e na UE pressupões e já subsidiam fortemente essas produções, sacrificando para elas alguns dos campos mais produtivos dos EUA e da Europa… É claro que podemos perguntar porque é que o CEO da Nestlé levanta agora esta questão… E podemos questionar também o seu interesse humanitário, já que a sua multinacional tem garantido boa parte dos seus lucros sobre preços de matéria-prima que estava muito baixos… Nomeadamente açúcar e xarope de milho.
Sem estes subsídios que distorcem o Mercado agrícola, a produção de milho, trigo e soja continua a ser primariamente reservada para alimentos. Com estes subsídios, não só haverá uma tendência dificilmente controlável para a conversão de campos já existentes como para a instalação de novos campos, com o decorrente aumento do consumo de água (um bem cada vez mais escasso, em muitos países do Ocidente) e limitando severamente as produções cerealíferas que hoje partem do Ocidente para o Terceiro Mundo e que são a parte essencial dos alimentos que o PAM (“Programa Alimentar Mundial”) da ONU distribuí nas regiões em Crise ou assoladas por fomes endémicas. De facto, o problema é muito sério na Europa (não me refiro aqui à produção de biocombustíveis no Brasil ou na Argentina) já que segundo um relatório da Agência de Avaliação Ambiental da Holanda, para cumprir o objectivo de incorporar 10% desses combustíveis será necessário dedicar a essa produção entre 20 a milhões de hectares nos campos europeus! O problema é grave é teve que merecer ao PAM um apelo dramático por fundos de emergência para poder enfrentar este aumento de preços (ver AQUI):
“WFP letter of appeal to Government donors to address critical funding gap
The World Food Programme is today issuing an extraordinary emergency appeal to address the critical funding gap in our programmes created by soaring food and fuel prices. We urge your Government to be as generous as possible in helping us to close this gap – which stood at US$500 million on 25 February and has been growing daily. As you know, WFP is charged with meeting the urgent hunger needs of the world’s most vulnerable. We operate across the globe with communities reeling from the shock of storms, drought, conflict or other disasters. Today, we meet the emergency needs of up to three million people a day in Darfur alone, and of 70 million more in up to 80 nations. The price of food and fuel has soared to record levels in recent years, and entered an aggressive pace of increase in June of last year. WFP has taken many steps to mitigate these increases, including making 80 percent of our food purchases – US$612 million – in local and regional markets of the developing world. In 2007 alone, we increased our local purchases by 30 percent. This not only saves on food and transport costs but is a win for local farmers, helping to break the cycle of hunger at its root. But even with our mitigation efforts, the cost of our food purchases has risen 55 percent since June 2007. This decrease in purchasing power led us to announce on 25 February a US$500 million shortfall in our budget for food rations. In the three weeks since that announcement, food prices have increased another 20 percent and such increases show no sign of abating any time soon.” (formulário de doação AQUI)
O PAM é organismo fiável e devemos confiar nele quando refere um aumento a partir de Junho de 2007 de 55% dos preços de alimentos…
O que está por detrás deste fenómeno que começa a criar uma nova série de problemas sociais, por exemplo, no Haiti, onde as forças brasileiras tiveram dificuldades em conter a multidão irada pelo aumento dos preços dos alimentos?
Existem vários factores que estão a concorrer para este aumento de preços generalizado e crescente. Por um lado, o aumento da exploração de milho nos EUA para fins de produção de biocombustíveis está a aumentar consideravelmente o preço deste produto alimentar em mais de 100% (de 2 USDs para 4 USDs, num ano), e decorrentemente, aumentando também o preço da carne, já que as sias rações contêm milho e aumentaram de 82,50 USDs para 91,15 USDs, no mesmo período, a partir daqui toda a cadeia de preços foi afectada, reflectindo-se no preço final ao consumidor de uma série de produtos derivados, incluindo o leite. O mesmo se passa com a soja e o trigo, também por pressão dos biocombustíveis, mas também porque muitos agricultores nos países desenvolvidos estão a abandonar cultivos para alimentos e substituindo-os por campos para biocombustíveis, com esses produtos, ao reduzir assim a produção de alimentos, os que continuam a ser produzidos, pela sua maior raridade, aumentam de preço. A corrida aos biocombustíveis está também a tornar a terra agrícola (que está a reduzir, em todo o mundo) mais rara e a água é também um bem em clara redução e cada vez mais requisitado agora com as novas produções. O Aquecimento Global, e o aumento de tempestades, inundações, furacões, etc que dele resultam estão a destruir colheitas e irá inundar algumas das regiões mais férteis do globo, as quais se situam precisamente em zonas mais baixas, afectando muito intensamente a produção de arroz, da qual dependem centenas de milhões de asiáticos…
A situação é grave e tende a agravar-se ainda mais no futuro próximo. Se no Ocidente é comum, que uma família gaste apenas 10% dos seus rendimentos em alimentos, nos países em desenvolvimento essa percentagem pode ascender aos 80% ou mesmo mais! E assim se compreende a gravidade que pode ter para essas familias o aumento do trigo em 130% ou do milho em 100%… Implicará necessariamente ter que comer metade do que se comia em 2007, simplesmente.
Jean Ziegler, um perito das Nações Unidas para o programa “Right for Food” pediu uma moratória de cinco anos sobre todas as iniciativas para desenvolver a produção de biocombustíveis de forma a impedir aquilo que avalia como poderem vir a ser uma “terrível escassez de alimentos”.
Mas embora a produção de biocombustíveis seja um factor que está a contribuir para o aumento dos preços dos alimentos, não devemos sobrevalorizar este factor, como começa agora a ser moda nalguns círculos. O seu peso é sensível, mas não é o mais importante. Estima-se, por exemplo, que somente 2% da produção de trigo no mundo seja usada para biocombustíveis e os acidentes naturais nos países exportadores (nos EUA, nomeadamente) estão a reduzir muito mais a produção do que a conversão dos campos para biocombustíveis.
Por fim, não gostaria de concluir este texto sem deixar uma pergunta: Será que este aumento do preço dos combustíveis não existe também porque nos últimos 20 anos os preços dos mesmos desceram a patamares insuportáveis para os produtores, levando muitos a falirem e a venderem os seus terrenos às multinacionais agrícolas? Será que agora que estas multinacionais – como a Monsanto – controlam a produção de alguns destes alimentos estão a combinar preços entre si e a subirem artificialmente os preços?
Fontes:
http://www.physorg.com/news125509418.html http://news.yahoo.com/s/afp/20080323/sc_afp/switzerlandenergyenvironmentcompanynestlefood_080323204158 http://www.energy-daily.com/reports/World_cooling_on_biofuel_solution_to_climate_change_999.html http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2007/06/14/AR2007061402008.html
http://www.fao.org/righttofood/
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