“Que grande confusão aqui vai, e que história tão especulativa. Antes de mais são tudo tretas!”
> Não são “tretas” são opiniões pessoais, devidamente fundadas. Responderei apenas de memória, dado que deixei este tema vão já mais de dez anos… reparei contudo que somos citados como fontes no artigo da Wikipedia sobre os Cónios, pelo que considero o recurso a esse termo como fruto do entusiasmo típico de quem foi mordido pelo “bicho” deste fascinante mistério sud-lusitânico…
“Em Portugal não se usa quase nunca a expreção escrita “sud-lusitana” isso é usado apenas na literatura espanhola. O mais comunemente usado e correcto até novas descobertas é “escrita do sudoeste” e mais nada. Nem sequer é certo que os cónios dos gregos ou o cinetes dos romanos são o povo do sudoeste.”
> Decerto. Mas a expressão nem por isso deixa de ser válida. Ela refere-se a uma escrita (a única indígena) que era usada na região sul da província romana da Lusitânia. Tecnicamente, a designação é válida e não pode ser descartada de forma automática apenas porque “é usada apenas na literatura espanhola”. O termo “Escrita do Sudoeste” é de facto mais comum em Portugal, mas eu prefiro (e tenho essa liberdade) a designação “Escrita Cónia” porque dessas opções é a única que agrega do étimo desse povo do sul do nosso atual território nacional.
> Não é certo que os Cónios/Cinetes são o povo do Sudoeste, mas não poderão ser outra coisa. As datações das necrópoles descobertas por Caetano Beirão e onde foram encontradas Estelas em Escrita Cónia são consistentes com as datas Clássicas e não existem vestígios arqueológicos que comprovem outra grande civilização nessa região do nosso atual território.
“No início da Idade do Bronze o povo do Sudoeste (o das Antas e cromeleque etc) desce das montanhas e dos seus castros e acampa em pequenos povoados em terras baixas, geralmente muito férteis e cujo relevo natural permite rotas comerciais do interior à costa do Alentejo Litoral, Foz do Sado ou à Costa Algarvia.”
> Não é seguro que este povo da Idade do Bronze seja diretamente aquele que mais tarde deu origem à civilização da Idade do Ferro, no século IV a.C. acredito que houve entretanto o afluxo de populações estrangeiras, fenícias (que legaram a maioria dos carateres da Escrita Cónia) e eventualmente, povos do norte de África, que reforçaram os laços linguísticos comuns com os Tamazight (Cabilas) do Tardenoisense dos dois lados dessa banda do Atlântico.
“Mais tarde dedica-se também à exploração mineira. Por volta do séc. VIII antes de cristo adequire a tecnologia da escrita. O Alfabeto terá mais parecência com um alfabeto hihita do mar negro, e não fenício, como se lê muito por aí.”
> A maior parte dos carateres derivam diretamente dos carateres fenícios e terão um valor fonético (ou semisilábico, porque se trata de um semisilabário) semelhante ao seu correspondente fenício ou grego (na minoria de carateres com essa filiação). Morfologicamente não vejo semelhanças com nenhuma das escritas hititas, ainda que existam carateres idênticos, estes encontram na Fenícia a origem comum aos da Escrita Cónia…
“Num processo muito longo do séc. VIII ac ao II ac. estas populações tenderão a abandonar o padrão de habitações redondas para rectangulares por vezes com divisórias internas e casas a ladear ruas, assim como distinções mais claras entre zonas produtivas, habitacionais e necrópoles. Sabemos que estas populações se orientalizaram profundamente, tais como os povos do Castro da Azambuja. Encontram-se peças de várias origens do mediterrâneo, cerâmica grega e fenícia assim como do Levante.”
> É verdade. Os Cónios estavam plenamente inseridos nos circuitos comerciais do Mediterrâneo dessa época, mas parece que apenas por via interposta, através dos Tartessos e dos Fenícios, não tendo nem frota comercial, nem grandes portos marítimos.
“Foram as poucas estelas encontradas em ambientes urbanos actuais, Tavira, as estelas são quase todas contextualizadas em pequenos povoados mineiros e agrícolas, e algo abastadas. Perante a delicadeza dos artefactos encontrados as estelas estão quase todas rudemente gravadas. O que leva a supor muitas hipóteses uma delas de que nestas aldeias haveria pouco uso para a escrita, contudo o uso perlongado da mesma e até a evolução nos caracteres indica que fora usada com praticabilidade. Não sabemos quais eram os centros urbanos deste povo, mas tudo leva a querer situarem-se em actuais centros urbanos, daís a dificuldade arqueológica. Usariam no seu quotidiano provavelmente materiais perecíveis para escrever tais como tecido, barro seco, ou madeira. Não existem sinais de hierárquias sociais fortes nem do uso de escravos.”
> É impossível que uma escrita tão sofisticada e com evidentes períodos distintos não tivesse sido gerada num ambiente culto, ou seja, com produção de mais materiais além das estelas. Existem exemplos de carateres cónios na cerâmica (a assinatura do ceramista ou a marca do proprietário), mas o principal meio era perecível e perdeu-se: papiros, pergaminhos ou madeira eram certamente usados de modo corrente, já que é impossível que uma escrita destas fosse usada apenas num contexto funerário.
“A escrita do sudoeste desenvolveu sobre um alfabeto semita um pseudo-silabário para as letras T/D, K/G, B/P, falso porque contudo o caracteres silábicos eram sempre acompanhados pela letra vogal correspondente (redondâcia).”
> Daí o semissilabismo que acima indico e que é a única explicação plausível para a quantidade de carateres diferentes encontrada: demasiados para um alfabeto, de menos para um silabário.
“O sistema vocálico do sudoeste é inovador e tem paridade com o grego.”
> Fruto dos contactos comerciais com esses rivais históricos dos fenícios…
“Acredita-se que a escrita do sudoeste terá sido levada através do comérico para o levante, escrita tratésia e para o norte onde fora muito prefeccionado pelos celtiberos. Tanto os tartesos como os celtiberos usaram um silabário puro, i.e., perderam os sistema vocálico. Isto também poderá indicar de que se tratam de línguas muito diferentes, a base celtoide dos povos do sudoeste exigiria uma maior presença de vogais do que as línguas de base do ibero.”
> Base celtóide? Mas os primeiros Celtas (de facto, Celtici) chegaram ao Sul muito depois dos Cónios estarem aqui já estabelecidos e firmaram-se a Ocidente dos atuais Alentejo e Algarve, deixando as outras regiões para os Cónios. Não havendo duas “escritas do Sudoeste” (Cónia e Celtici) resta crer que não adotaram a escrita ou que continuaram a usar a Escrita Cónia, com a sua língua, o que seria compatível com o seu escasso número e recorda o fenómeno da ocupação dos Suevos na antiga Galiza: poucos invasores, dominantes e uma sociedade indígena relativamente intocada.
“Não aparece em nenhuma estela a palavra cónio. Aparece sim um conjunto de caracteres que parecem indicar a função das estelas, e o mais sugerido tem sido “aqui jaz”.”
> Obviamente, é discutível… a expressão mais comum nestas estelas é algo que leio como Lopes Navarro: “NADOCONII” com variantes CONI, CONII ou até CONIUM. Obviamente, “NADO” significa “nascido”, “CON” é o étnico e o sufixo final designa a filiação nesse povo.
“Tampouco a função das estelas está totalmente esclarecida. A maioria das estelas encontradas foram reutilizadas (em especial pelos romanos) e estão fora de contexto. Algumas foram econtradas próximo das necrópoles. A maioria das necrópoles saqueadas e violadas.”
> Mas todas as encontradas em contexto, estão num contexto funerário. A presença regular da mesma fórmula final reforça essa utilização funerária, assim como a presença evidente de antropónimos em quase todas elas.
“Encontraram-se estelas na Extremadura espanhola, mas em muito menor número, e são muito mais delicadas do que as encontradas em Portugal o que poderá sugerir que fossem ofertas de visitas aos famosos santuários que havia por essas zonas.”
> Ou pequenas cidades dispersas do outro lado do Anas, teve que prefiro. Porque ofertariam estelas numa língua diferente da do povo do tumulado?
“Por volta do séc. II ac o sul do Alentejo sofre uma invasão de tribus celtas. O povoamento reocupa os antigos castros do início da idade do Bronze e desaparecem no Alentejo quaisquer vestigios da civilização do sudoeste. No Algarve os fenícos instalam feitorias ou mesmo colónias.”
> Correto. Mas eram já celtas misturados com povos ibéricos, daí o termo “céltico” ou “celtici” que reforça esse mesmo caráter miscigenado.
“Logo após a conquista romana serão cunhadas moedas com esta escrita contudo: Não é claro se é turdetana ou do sudoeste, nao é claro que turdetanos tenham ali estado, e nao é claro que tivessem sido cunhadas para uso local ou se foram cunhadas com vista a servirem de pagamento num outro entreposto comercial.”
> Os carateres são cónios… mas concordo, num ponto. Podem não ser originárias de Santiago do Cacém, mas de uma cidade perdida mais a sul e terem sido para aqui levadas no contexto de um qualquer processo comercial.
“Não há quase nada que possamos dizer sobre a civilização do sudoeste e a sua escrita. Terão de se obter muitos mais artefactos para se poderem fazer mais afirmações. Tém sido feitos avanços grandes nos últimos 10 anos com a descoberta de novos documentos, estelas e faiança, e estudos na área da epigrafia. Sem uma espécie de pedra da roseta pouco se poderá decifrar. Descobrir um povoado de tamanho médio sem ter tido continuação histórica para além do sec. I ac também ajudaria muito a fazer-se luz sobre esta civilização cada vez mais mítificada.”
> O melhor que há é ainda a “estela de estudo” encontrada em Espanha… com duas linhas, a do mestre e a do estudante, mais imperfeita e abaixo da primeira.
> Restam as análises estatísticas… dificultadas pela relativa escassez de materiais achados. A tradução da Escrita Cónia é um problema difícil, por estas condições… mas não impossível, tendo em conta que a maior percentagem dos textos são fórmulas funerárias e antropónimos.
Fontes:
http://escritadosudoeste.no.sapo.pt/caracteres.html
http://www.facebook.com/Francisco.Napoleao
http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3nios
http://movv.org/category/a-escrita-conia/
http://movv.org/2007/11/26/os-valores-foneticos/
http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A9lticos
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