Se for assinado, o TTIP (Parceria Transatlântica) será o maior tratado comercial de sempre. Com efeito, o comércio que atravessa atualmente o Atlântico, entre os EUA e a União Europeia ascende actualmente a mais de um trilião de euros anuais, ou seja, a mais de 45% do PIB planetário. Esta será a escala do impacto se as suas negociações forem alguma vez encerradas… O grande objectivo do TTIP será aumentar ainda mais estas trocas, não através da supressão ou redução de taxas alfandegárias (as quais já são, em média, muito baixas), mas através da redução ou mesmo total supressão das chamadas “barreiras regulatórias”, ou seja desregulando trocas de bens e serviços, eliminando as protecções que ao longo de décadas foram sendo erguidas em defesa dos cidadãos e consumidores com o objetivo de aumentar os lucros das grandes corporações multinacionais. Com efeito, as grandes multinacionais do sector financeiro, agroindustrial e industrial, seriam os primeiros e principais beneficiários do TTIP sendo os grandes sacrificados os cidadãos que veriam assim descer os altos padrões europeus em segurança alimentar, protecção do ambiente, qualidade de vida, legislação laboral, regulação financeira e nas regras de uso da Internet. Adicionalmente, segundo alguns estudos, haveria até um impacto negativo nos níveis de emprego no continente europeu.
As negociações decorrem à porta fechada desde meados de 2013 e toda a documentação será secreta durante trinta anos, estando todos os que participam obrigados ao cumprimento de acordos de confidencialidade. Existe actualmente uma grande pressão por parte da Administração Obama para que as negociações terminem antes de 2016, mas a opinião maioritária é que – dada a complexidade e extensão dos dossiers – dificilmente o TTIP será apresentado ao Parlamento Europeu, para votação antes de finais de 2017. Após esta votação, os parlamentos nacionais teriam apenas um breve período de tempo para analisar o Tratado e o ratificarem, sabendo-se já que o actual governo Português é um dos 14 governos europeus que o apoia de forma mais radical. Assim, admitindo estas datas, o TTIP poderia entrar em vigor nos primeiros meses de 2018.
Os defensores do TTIP alegam que o benefício do mesmo para a economia norte-americana e europeia será superior a cem mil milhões de euros, criando emprego, baixando os custos e os preços ao consumidor enquanto, simultaneamente, aumenta os lucros e a “protecção de investimento” das empresas. De facto, estas previsões baseiam-se em modelos opacos ou de credibilidade duvidosa, não havendo indicadores que provem que estes ganhos seriam traduzidos na geração de emprego real e concreto, podendo suceder com o TTIP o mesmo que sucedeu com o NAFTA na década de 1980 onde essa geração foi negativa. De igual forma, não há prova de que os lucros empresariais seriam repartidos pelos cidadãos, havendo até provas recentes que esta distribuição está a acontecer de forma cada vez menos eficiente no Ocidente, com a imposição de níveis crescentes de concentração de riqueza. Os cidadãos, e em particular os cidadãos europeus seriam certamente prejudicados pela entrada em vigor do TTIP: produtos norte-americanos produzidos em grande escala e baixo preço inundariam os mercados europeus, arrasando as PMEs que dominam (em 99%) o tecido empresarial europeu, especialmente com grande impacto no setor agroalimentar. Paralemente, os altos níveis de segurança alimentar vigentes na Europa, devido à aplicação do “Princípio Precaucionário” e cumprindo recomendações da ONU que datam da década de 1980, seriam reduzidos: Produtos tratados com pesticidas proibidos na Europa seriam exportados, carne tratada com antibióticos e hormonas de crescimento, também. Carne de frango tratada com lixívia, inundaria o mercado retalhista europeu, assim como tomate trangénico e produzido em grandes quantidades e baixo custo destruiria aquela que é a quarta maior exportação portuguesa.
Além de todos estes riscos à economia, ao emprego, ao ambiente e à segurança alimentar, induzidos por esta vaga desregulatória que se aloja em vários capítulos do TTIP, o Tratado representa igualmente uma severa ameaça à própria democracia, tal como hoje a conhecemos. Esta ameaça tem nome e esse nome são os ISDS (Investor-state dispute settlement) também designados (falsamente) por “tribunais arbitrais”. Estes tribunais serão uma parte central do TTIP ou mesmo, segundo alguns dos seus negociadores, a sua pedra de toque, sem a qual toda a negociação do Tratado colapsa. O problema é que esta pedra de toque vai sobrepôr-se às leis nacionais e às constituições dos Estados europeus. Um Estado pode ser assim condenado e ser levado a pagar uma pesada indemnização (como já aconteceu com a Bolívia e o Uruguai e está prestes a acontecer com o Canadá e a Austrália) mesmo se estiver a cumprir à letra a sua Constituição, mas tiver colocado em risco os lucros actuais ou futuros (!) de uma multinacional. E não se trata aqui de meras hipóteses. Tribunais ISDS já produziram condenações efetivas, com pesados impactos nas finanças e orçamentos de países europeus e de outros, noutros continentes. Por exemplo, o Equador já pagou mais de 900 milhões de dólares por perda de “lucros futuros” quando proibiu um novo poço de petróleo no Amazonas. A Líbia (ainda no tempo de Kadafi) pagou 900 milhões em “compensações” a um grupo de investidores estrangeitos porque proibiu a construção de um grande projeto turístico nas suas praias… Os exemplo são numerosos, gravosos e poderão multiplicar-se em série, na Europa, caso o TTIP seja aprovado. Além do mais, após esta aprovação o regular e normal funcionamento das instituições democráticas será condicionado. Como sucedeu recentemente com o governo neozelandês, por receio de ser processado pela Phillip Morris, como a Austrália ou como com o Egipto pela Velior devido ao aumento do salário mínimo, qualquer nova legislação terá sempre que ser avaliada na medida de potenciais riscos de pagamento de indemnizações a multinacionais.
Felizmente começam a existir alguns indícios segundos os quais a nova Comissão Junckers começa a ceder à pressão dos povos da Europa e das organizações agrupadas em torno da ICE cidadã
http://www.nao-ao-ttip.pt/assina-a-iniciativa-de-cidadania-europeia/ e se prepara para remover o capítulo dos ISDS (tribunais arbitrais) do Tratado TTIP. A ser verdade, é uma grande (enorme!) vitória para a cidadania, já que os ISDSs eram precisamente o maior, mais extenso e mais grave atentado contra a soberania e a democracia na Europa, já que as suas decisões se sobrepunham às normativas europeias, às leis nacionais e às próprias constituições dos Estados-membros. Mas atenção: o fim dos ISDS no TTIP não quer dizer que esse capítulo, no CETA, o irmão gémeo do TTIP e que inclui o Canadá e a UE, já negociado e prestes a entrar em vigor, não existam ISDSs. Pelo contrário: há-os e as empresas norte-americanas poderão usar o CETA para processarem países europeus, exatamente como se o TTIP estivesse em vigor com o seu capítulo respetivo. Basta para essas empresas terem escritórios ou subsidiárias no Canadá…
Como demonstra o aparente recuo europeu nos ISDS, o cenário, contudo, não é tão negro como aparente… O TTIP, não é inevitável. As pressões de centenas de organizações e movimentos sociais já estão a começar a produzir efeitos na nova Comissão Junckers. Os dirigentes europeus sabem que começam a perder terreno, e as grandes corporações começam a responder aumentando o seu esforço de marketing e a pressão de Lobby junto dos políticos do continente. A luta pela soberania e pelos direitos e qualidade de vida dos cidadãos não está ganha, mas pode sê-lo. Assim saibam os cidadãos desta importante luta que se trava hoje pelos seus interesses e haja capacidade para se mobilizarem e participarem na contestação ao Tratado.
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