
Miguel Sousa Tavares
“Um ano e meio volvido, tudo o que o Governo executou foi a parte fácil: mudou a lei laboral, diminuiu ordenados e subsídios na função pública, começou a privatizar (e mal), e arrasou o país com impostos. A parte difícil – que era reformar o Estado, reduzi-lo a uma dimensão sustentável, evitar que ele continue a roubar a economia, as poupanças e os postos de trabalho – nisso, o governo de Passos Coelho não mexeu ainda, salvo algumas minudencias.”
– não mexeu ainda, nem vai mexer. Este governo é um governo do bipartido: está completamente embebido no Estado, colocou aqui todos os seus quadros mais relevantes e vive no e para o mesmo. Tais são as redes clientelares tecidas entre o bipartido PS/PSD que nenhum destes partidos poderá alguma vez realizar uma verdadeira, profunda e duradoura “reforma” do Estado.
“Para se ter uma ideia daquilo de que se trata e daquilo com que estamos confrontados, vale a pena olhar algumas realidades factuais:
.a despesa anual do Estado é de 78 mil milhões de euros e a receita, após todos os desaustinados aumentos de impostos, é de 70 mil milhões. A diferença é o défice.”
Estes são os factos. Com o atual nível de cobrança de impostos e decorrente estado recessivo da economia (que provoca uma queda abrupta da cobrança fiscal) não há forma de sustentar o atual nível de despesa. Ou as cobranças aumentam (e muito) ou há que passar a gastar muito menos (menos 10%!) E até a passar a acumular superávites, por forma a começar a pagar a dívida ou… encetar um corajoso processo de reestruturação da dívida que anule o pagamento de juros ou de parte do capital, como vários países europeus fizeram nos últimos anos, desde a Grécia, mais recentemente, até à Alemanha, em finais da década de 50.
“acumulados ano após ano, os défices formam a dívida, que, neste momento está em 119% do PIB e em breve chegará aos 124% – e que é a herança que esta geração se prepara para deixar às seguintes. O serviço da dívida, apenas com juros, gasta hoje praticamente tanto como a Saúde e só por si é responsável por 80% do défice. A “ajuda” que nos permite sobreviver serve apenas para pagar os juros do que devemos.”
– insustentável. O serviço da dívida é impossível de suportar e uma reestruturação da divida, com um perdão dos juros total ou parcial e um perdão do capital são incontornáveis. Isso servirá os interesses dos credores (que de resto incorporaram já nos juros o financiamento desse risco) e os de Portugal: não interessa a nenhum dos lados a perpetuação de uma situação insustentável que a curto prazo irá provocar uma revolta social incontrolável que não serve os interesses de ninguém.
“75% da despesa do Estado são representados por transferências a favor de pessoas – sob a forma de salários, subsídios, pensões de reforma. Com o que resta, o Estado tem de cumprir todas as outras funções que o caraterizam, como a Defesa, a Segurança Interna, a Justiça, os Negócios Estrangeiros.”
– o que mostra bem a gravidade e perenidade da nossa situação, a menos que se tome uma atitude decidida para enfrentar o problema: o Estado tem que ter um papel de investidor, de alavanca de capital na Economia, mas para isso precisa de ter recursos e de ter a flexibilidade no uso dos mesmos que lhe permita orientar os mesmos nos pontos onde estrategicamente julgue mais importantes, a um dado momento. Se os consumir a 75% em despesas do pessoal e pensões, não terá nunca essa capacidade e fôlego de resposta. Ou aumenta os seus recursos (por via europeia, já que fiscalmente se passaram há muito todos os limites razoáveis) ou reduz esta despesa: reduzindo (sem despedir) as despesas com pessoal, as pensões de reforma acima das pensões mínimas e toda a suicidaria estrutura financeira das PPPs.
“75% dos portugueses, entre funcionários públicos, magistrados, professores, médicos, militares, bolseiros, subsidiados, apoiados e reformados, estão financeiramente dependentes do Estado, na totalidade ou em parte.”
Igualmente insustentável. Obviamente que esta situação só pode ser financiada através de uma das cargas fiscais sobre a classe média mais elevadas do mundo desenvolvido: os (realmente) ricos, as empresas, os Grandes Interesses conseguem sempre engenharias fiscais para se furtarem a este pagamento, a ultrapassagem dos limites determinados pela Lei de Laffer ditam já a ineficácia da cobrança, tudo ameaça colapsar. A curto prazo ou reduzimos todos estas prestações salariais ou – na impossibilidade de o setor privado as continuar a suportar – é todo o modelo do Estado Social (depois da democracia, a maior conquista de Abril) que soçobra.
“Apenas metade dos portugueses paga imposto sobre o rendimento e apenas um quarto das empresas paga imposto sobre os lucros. Os 2% e portugueses que pagam mais de IRS respondem por mais de 25% do total da colecta. No escalão mais alto, juntando todos os impostos e contribuições directas, é possível entregar ao Estado 70% do rendimento – mesmo que ele provenha exclusivamente do trabalho.”
– insustentável e esbulho ou confisco fiscal puro e simples. Com tais níveis e concentrações de impostos é impossível desenvolver uma economia e criar uma sociedade sustentavel. É preciso cobrar menos sobre os rendimentos do trabalho, para poder – paradoxalmente – cobrar mais no todo. A estrutura das cobranças deve também ser alterada: as taxas sobre o IRS (trabalho) têm que ser aligeiradas, os dumpings aos impostos das empresas praticados no norte da Europa (Suécia, Holanda, Alemanha, Irlanda, etc) combatidos e a taxa de IVA sobre os ditos “bens de luxo” aumentada (severamente!) por forma a compensar aritmeticamente estas descidas.
Miguel Sousa Tavares
Expresso 3 novembro 2012
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