“Na famosa quinta revisão do memorando (…) a dita complacência da troika não se irá concretizar: espera-se o aumento das taxas médias do IVA, o que provavelmente levará a uma contração da receita fiscal.”
> Nesta pequena, mas muito curiosa entrevista, o economista José Maria Castro Caldas mostra mais uma vez porque é que é um dos pensadores económicos mais ousados e independentes do meio… Começa por desfazer o mito – longamente propagandeado por Passos Coelho e Cavaco Silva – segundo o qual se continuarmos a suportar doses massivas e crescentes de austeridade com a passividade bovina que carateriza tradicionalmente a sociedade portuguesa, no final, os europeus nos vão “premiar” e dar mais tempo ou dinheiro… perante o impossível de evitar o incumprimento da meta de 4.5% do défice, tudo indica que apesar dos “melhores desejos” de Passos e Cavaco a opção a seguir para corrigir o défice será novamente a mais fácil: aumentar o IVA ou, pior o IRS. A Defesa mais fácil de cortar (salários e pensões) está agora protegida pela “equidade” defendida pelo TC e resta apenas, de novo, mais um aumento da canga fiscal.
“Defendo uma taxa sobre a propriedade, aí poderia haver ativos financeiros e imobiliários para repor a justiça fiscal. E medidas de combate à fraude fiscal, como seja fechar todas as portas abertas à evasão de capitais para paraísos fiscais.”
O problema das taxas sobre a propriedade é que além de serem injustas podem levar pessoas que herdaram casas dos pais ou avós, terrenos abandonados algures no Interior, prédios arruinados, etc e que não tendo rendimentos (por estarem desempregados ou terem a mulher ou o marido desempregados) não têm simplesmente meios para pagar esses impostos! Qual seria então a opção do Estado? Confiscar esses bens? Coloca-los a leilão por uma fração do seu real valor? E quem ganhará com isso para além de algum eventual especulador especialmente abonado?
“Temos de escolher entre a reestruturação da dívida agora, a curto prazo, ou um default (incumprimento) a médio prazo. Não é preciso fazer mais experiências para vermos que a via recessiva de ajustamento não produz as consequências previstas e a dívida vai aumentando a um ritmo que a torna insustentável: é o momento em que o peso dos juros é de tal ordem que toda prestação pública de serviços, nomeadamente a nível da reparação de infra-estruturas, começa a entrar em colapso.”
Com efeito, o desastroso exemplo grego (uma queda de 7% do PIB só este ano!) Já devia ter ensinado aos fanáticos monetaristas do Bundesbank (que mandam, de facto, na Troika) que o modelo austeritário não funciona. Aliás, as estatísticas demonstram até o contrário, com os Mercados a subirem mais os juros DEPOIS da aplicação dos pacotes austeritários do que ANTES.
O limite da exaustão dos povos perante esta obsessão de compressão do Estado Social está a aproximar-se muito rapidamente e a ser multiplicado porque a “moda” se estende até aos países mais ricos (no norte da Europa) que poderiam compensar esta onda sulista de austeridade comprando bens e serviços aos países do sul (por exemplo, através de um pacote de estímulo europeu). Quando as estradas, as pontes, os hospitais, os postos de policia e os blindados e navios de guerra deixarem de funcionar porque a austeridade os fez parar então, será chegado o ponto terminal e a inevitável dissolução do Estado vai necessariamente precipitar o fim desta louca moda anti-keynesiana.
“O problema coloca-se a nível do défice externo. Tal exigirá medidas que podem não passar pela saída do Euro, na fronteira do que é admissível na União Europeia. Passam por derrogações de cláusulas da livre concorrência de modo a limitar algumas importações. Impostos especiais que limitem algumas importações, como os combustíveis. E agir da mesma forma sobre as exportações de modo a aliviar alguma carga fiscal e de setores que substituem importações.”
É de facto impossível permanecer nas mesmas regras que a Europa hoje nos impõe e reconstruir a nossa economia: as portas comerciais escancaradas impedem-nos de reconstruir empresas industriais e agrícolas capazes de resistirem às grandes agro-industriais de Espanha e do norte da Europa. Há que proteger a produção nacional desses gigantes desproporcionados e compensar todos os múltiplos dumpings com que concorrentes estrangeiros nos esmagam e isso só pode ser feito criando mecanismos aduaneiros de compensação: taxas alfandegárias que favoreçam a aparição local de indústrias de substituição e implementando estímulos fiscais às exportações… mas umas e outras contrariam as regras e regulamentos europeus, razão porque estes têm que ser suspensos. Ou porque Portugal têm que sair da União Europeia ou, pelo menos, suspender a sua pertença durante alguns anos.
“Não existe nenhuma saída fácil para uma crise de grandes proporções do capitalismo. Agora, há uma grande diferença entre pseudo-saídas que pretendem manter a hegemonia do sistema financeiro e umas saídas igualmente difíceis, mas que tenham como objetivo preservar o estado social e procurar corrigir as duas principais entorses: a repartição do rendimento e a hegemonia do sistema financeiro.”
Quando se constata o gigantesco volume de verbas desviadas todos os anos para Paraísos Fiscais e a preponderância da Finança sobre a Política (escravizada pelos financiamentos e lobbys) e a Economia Real, juntamente com o grande problema do desenvolvimento económico dos últimos anos: a cada vez pior distribuição dos rendimentos. Desde a década de noventa (em Portugal) ano após ano, quase sempre sem parar os salários do trabalho estagnam, abaixo da inflação, enquanto que os rendimentos do capital sobem sem cessar, desviando mais e mais capital de investimentos reprodutivos e bens transacionáveis e concentrados no opaco mundo dos “mercados” e da Finança.
“Os super-ricos guardam 17 triliões de euros em paraísos fiscais…
Bastaria que se decidisse que não haveria transferências entre bancos da Zona Euro e paraísos fiscais para que estes entrassem em colapso. Isso seria suficiente para desencadear uma atitude semelhante em outros países, nomeadamente emergentes que têm tanto a perder. Falta é vontade.”
E esta Europa será capaz de tamanha (e devida) ousadia e frontalidade? Aparentemente, não. Os alemães, que lideram de forma imperial o BCE e indiretamente a Troika que estende um tape de protetorado sobre um número crescente de Estados membros, estão acima de tudo preocupados em “castigar” os europeus do sul, esquecendo que a sua atual riqueza se deve em grande medida às suas exportações precisamente para os países do sul e que na década de 1950 beneficiaram eles próprios de um generoso perdão da dívida (e que nunca devolveram o saque do Banco central grego, aliás).
SOL
27 de julho de 2012
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