“A promoção do Pingo Doce de um de maio não foi uma corrida aos saldos para comprar fatos ou vestidos fora de moda (…) da forma e na data em que foi montada colocou multidões a disputar caixas de ovos, pacotes de leite, carne, peixe e uma ou outra garrafa de vinho bom ou uísque de marca. Misturadas a necessidade dos mais afetados pela crise e a ganância da natureza humana, parecia ter sido uma armadilha para mostrar o lado pior de cada um de nós. Isto tem uma distância enorme, mas também muito curta para uma cena na África da morte quando uma multidão esfomeada se lança um saco de arroz. (…) gostaria de saber junto de todos os envolvidos o seguinte: é mesmo este o país que querem? Um país onde as pessoas passam a ir para as compras como quem vai para um campo de batalha? Um país de miséria humana?”
Pedro Tadeu
Diário de Notícias, 8 de maio de 2012
Com efeito, o dia um de maio demonstrou que a linha entre a barbárie e a civilização é muito mais fina do que julga, especialmente em momentos de crise económica, social e moral, como aqueles que hoje atravessamos. Nos últimos meses Portugal e os portugueses conheceram um decréscimo sensível dos seus padrões e níveis de vida: financeiros e morais: o rendimento disponível caiu de forma brutal, pela via do aumento ávido da carga fiscal e da pura e dura redução de salários (pela via dos despedimentos ou da supressão de subsídios). Mas mais que este empobrecimento individual e familiar, pesou coletivamente uma dissolução moral profunda: hoje o país está moralmente doente.
Os corruptos foram sistematicamente ilibados de todas as acusações que sob eles pendiam: Isaltinos e Felgueiras saíram dos tribunais rindo e cantando sendo eleitos e reeleitos por um povo boçal que acredita que “eles” quando roubam mas fazem roubam sempre aos “outros” mas nunca a ele próprio. De permeio, corruptos lograram nem sequer serem incomodados pelos tribunais (Sócrates pelo Freeport) ou, pior, serem ilibados e ainda se deram ao luxo de processar os que se atreveram a expor a sua corrupção (Domingos Névoa contra Sá Fernandes).
Num país moralmente doente, fenómenos como a corrida louca às prateleiras cuidadosamente planeada e executada pelo Pingo Doce é normal. Além do mais, cumpre um objetivo: prova às elites e ao próprio povo que se deixa assim manipular de forma tão boçal e primária que a massa maior da população continua a ser ígnara e facilmente manipulável e que o seu poder imperial sobre a sociedade não pode ser ainda (nem nunca) desafiado
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