“Na Riqueza das Nações, Adam Smith procurou provar que a riqueza das nações resultava da atuação de indivíduos que, movidos pelo seu próprio interesse, promoviam o crescimento e desenvolvimento económicos. (…) Em resultado, os preços das mercadorias deveriam descer e os salários subir.
No entanto, hoje, e não obstante o progresso tecnológico, observamos uma subida dos preços reais das mercadorias e uma descida dos salários reais – exatamente o oposto do que havia sido preconizado por Adam Smith. É inevitável pensar que algo correu mal no processo…
Um dos pressupostos mais importantes do modelo económico-social de Adam Smith era o mercado de concorrência perfeita, implicando a atomização de vendedores e compradores. Num mercado de concorrência perfeita, nem vendedores, nem comprados teriam capacidade de influenciar os preços, os quais seriam ditados pela conjugação dos interesses de ambos.
No entanto, quando os indivíduos e as empresas prosseguem apenas o seu próprio interesse, procuram atingir uma dimensão e poder incompatíveis com o modelo de concorrência perfeita, o qual não lhes poderia garantir lucros tao elevados.
É neste contexto que as corporações multinacionais surgem como o expoente máximo da concorrência imperfeita, quer através de tentativas tradicionais de domínio de mercado, como o monopólio, oligopólio ou cartéis, quer através de formas bastante mais subtis e usadas com maior frequência nas últimas décadas.”
O grande distorsor no sistema económico capitalista atual é o impulso para o fim da concorrência entre os agentes económicos. A tendência nas últimas décadas foi para a concentração empresarial, com a aparição de uma horda de “economistas” e “comentadores” defendem para as massas a necessidade da fusão, aquisição e incorporação entre empresas. O movimento concentrador foi particularmente intenso no setor bancário, criando algumas dezenas de grande bancos “too big to fail” e que – mal geridos – dependiam do Estado para se furtarem ao colapso.
“Desde os anos 80, ao mesmo tempo que o processo de globalização se tem acelerado, os lucros corporativos têm crescido a um ritmo que nada faria prever. Exceptuando o setor financeiro, nos EUA, os ganhos não caíram como seria expectável no decorrer de uma profunda recessão, e rapidamente regressaram a níveis bem acima da média. Esta situação desafia a lógica económica: os lucros são elevados e continuam a sua ascensão, nem sempre linear é certo, apesar dos preços dos factores de produção continuarem a aumentar e o crescimento económico ser cada vez mais baixo. Como pode tal ser possível? Teoricamente, lucros grandes atraem mais competidores ao mercado, baixando os ganhos, enquanto que lucros baixos levam à saída de competidores, deixando o campo aberto para maiores lucros das empresas que se mantiveram no mercado. No entanto, tal deixou de se verificar. (…) Défices governamentais elevados estão a alimentar diretamente despesa que está fortalecendo os retornos e lucros corporativos, aumentando as poupanças dos grandes privados.” (…) “Muitas das companhias exportadoras das nações com mercados de trabalho de baixo custo são propriedade ou controlados por multinacionais. As corporações multinacionais estiveram envolvidas em pelo menos 50% das exportações chinesas. Há também uma forte correlação entre a subida secular dos lucros corporativos e a explosão massiva dos lucros residentes nos paraísos fiscais, que escapam portanto à tributação dos Estados.”
Que não restem duvidas: a maior ameaça atual para as democracias é o crescimento extraordinário do poder e influencia das multinacionais. Foram elas que pagaram aos políticos ocidentais (em corrupção direta e indiretamente em financiamentos de campanha) para aceitarem e implementarem a des regulação comercial radical e sem contrapartidas que desindustrializou o Ocidente e deslocalizou a indústria para a China. Quem lucrou mais neste processo não foram os trabalhadores chineses, miseravelmente pagos e sem direitos laborais, foram os grandes acionistas das grandes multinacionais que estiveram por detrás destes processos de deslocalização.
Hoje em dia é claro para todos que as deslocalizações estão na direta razão do empobrecimento crescente da europa e do ocidente. Nem que quem as promoveu, executa e mais beneficia com elas são as grandes multinacionais e os seus anafados acionistas. Chegou agora a altura de reverter este processo, fazendo regressar as fábricas que foram deslocalizadas e o capital assim exportado. Mas como fazê-lo sem repor as evaporadas barreiras alfandegárias? Como fazê-lo sem forçar quem quer exportar a transferir parte da produção para dentro de fronteiras? Como impor limites à livre circulação de capitais para fora das fronteiras e cativar aquele que já saiu? Todas estas respostas terão que partir de um grande dinamização do tecido produtivo por via do estabelecimento de um proteccionismo que, ao fim ao cabo, já existe no Brasil, EUA e China…
Fonte:
A Pobreza das Nações e a Riqueza das Corporações
Luís Couto
Finis Mundi, número 3
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