
Agostinho da Silva (ebicuba.drealentejo.pt)
“Estes amam o povo, mas não desejariam, por interesse do próprio amor que saísse do passo em que se encontra; deleitam-se com a ingenuidade da arte popular, com o imperfeito pensamento, as superstições e as lendas, veem-se generosos e sensíveis quando se debruçam sobre a classe inferior. (…) Há também os que adoram o povo e combatem por ele mas pouco mais o julgam que o meio; a meta a atingir é o domínio do mesmo povo por que parecem sacrificar-se; bate-lhes no peito um coração de altos senhores; se vieram parar a este lado da batalha foi porque os acidentes os repeliram das trincheiras opostas”.
Agostinho da Silva, O Império do Espírito Santo entre os Homens
Agostinho da Silva alude aqui à tradicional dicotomia esquerda-direita. Aparentemente divergentes, na verdade estes extremos do espectro político convencional refletem a mesma posição para com o “povo”: encaram-no como uma massa amorfa (as “amibas que sobrevivem” noutro texto agostiniano) que pode ser usado como pretexto para a condução de uma agenda própria e egoísta.
A reforma da participação cívica e política dos cidadãos no Estado deve assim passar por dois contornamentos essenciais a esta malsana dicotomia que está por detrás deste “rotativismo democrático” que nos tem regido desde 1975: A reforma a partir de dentro ou a reforma a partir do exterior.
A reforma a partir de dentro:
Os cidadãos devem invadir os partidos políticos, exigindo a partir dos seus órgãos e eleições internas a democratização interna dos mesmos, destruindo o poder dos “aparelhos” e Interesses de cujos benefícios os grandes partidos se tornaram em centrais de distribuição, imorais e sem ideologia. Importa restaurar a credibilidade dos Partidos reaproximando-os dos cidadãos e afastando-os dos aparelhos profissionais.
Reforma a partir do exterior:
Se não for possível reformar os partidos existentes restam apenas aos cidadãos duas formas de mudar um jogo que atualmente comporta cada vez menos democracia e mais plutocracia ou aristocracia viciosa: agir a partir de fora do Sistema. A este propósito, a candidatura presidencial de Fernando Nobre foi um bom sinal: os milhares de voluntários abnegados que agregou um pouco por todo o país e os mais de 500 mil votos que cativou expressaram um forte desejo cidadão de renovar o Sistema a partir de um “outsider“. É certo, contudo, que o que se passou depois desiludiu a maioria dos apoiantes dessa “candidatura da cidadania”, mas isso não tira nenhum mérito a uma expressão de liberdade e responsabilidade cívica que teve lugar – sem precedentes – nestas eleições presidenciais.
O sistema democrático tem que se renovar. Quebrar este marasmo e apatia abstencionista e tornar a convencer os cidadãos que o seu voto conta e muda alguma coisa. Além de formal, tem que se tornar efetivo. A democracia pode ser renovada a partir de movimentos cívicos, associações, grupos mais ou menos anónimos, comunidades locais, bem para além da formatação clássica de um “partido”. Despertemos a Sociedade Civil, livre das cadeias impostas por um sistema cristalizado e elitista e fortemente alicerçado numa comunidade livre, exigente e intensamente atuante.
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