
Marcelo Rebelo de Sousa (http://jpn.icicom.up.pt)
Entrevista a Marcelo Rebelo de Sousa
(Sol de 25 de fevereiro de 2011)
“Considero, desde sempre, que se devia ter completado a vertente europeia com uma aposta lusófona que não houve, ou que houve de forma insuficiente e tardia. Mas que está, hoje, a ter uma expressão enorme em termos de sociedade civil, de pessoas, de empresas, de escolas e universidades, de órgãos de comunicação social, como o SOL.”
– É impossível não deixar de observar como a palavra “lusofonia” (rara ainda há pouco mais de dez anos) começa hoje a entrar no vocabulário comum. O fenómeno reflete uma realidade profunda e que tem vindo a aumentar de intensidade nos últimos anos beneficiando de um certo fator de “moda” que fez com que o termo apareça cada vez mais frequentemente nos meios de comunicação e na linguagem comum.
“A CPLP arrancou como foi possível, quando estavam já cicatrizadas as feridas de parte a parte, no termo da descolonização, e, também, quando países importantes se aproximavam do fim de processos internos bélicos complicados – em 1996, isso tinha acontecido em Moçambique, mas ainda não cabalmente em Angola. O modelo encontrado – de confluência também com o Brasil , que se integra na lusofonia com a lógica de uma potencia mundial – foi aquele: uma CPLP ambiciosa na definição política, mas pouco ambiciosa nos meios, na concretização e na renovação das prioridades. Ficou como que dependurada no vago, enquanto a realidade mudava. Ora, a realidade, felizmente, mudou muito, aceleradamente e para muito melhor: Hoje, o que há de relações culturais, sociais, económicas e financeiras no quadro da lusofonia não tem nada a ver com 1996: o mundo não tem nada a ver com 1996 e nenhum dos países da lusofonia é igual ao que era em 1996. Só a CPLP é que ficou na mesma.”
– A CPLP não é aquilo que alguém deseja. É algo que existe no estado atual não por causa de um plano preciso, longamente antecipado e detalhado ou com uma estratégia bem delineada ou definida, mas porque as circunstâncias atuais e passadas assim o determinaram. A CPLP hoje é de facto ainda em grande medida uma instituição burocrática, muito inoperante e com escassos recursos humanos e financeiros. Como disse certa vez, o embaixador Lauro Moreira num debate MIL, “a CPLP é e será sempre exatamente aquilo que os seus cidadãos quiserem que seja”. Com efeito, se a CPLP é uma instituição globalmente inoperante tal é porque não queremos que seja mais do que isso, porque os eleitores nao pressionam os seus partidos e eleitos e não porque os responsáveis da CPLP não querem que ela seja mais do que aquilo que é.
“A principal dificuldade é conseguir que o Brasil, na sua posição atual, muito mais forte do que era há 20 anos, aposte mais na CPLP. Acho que isso é o fundamental. Penso que Portugal, dentro da exiguidade dos seus recursos, Angola, Moçambique e os outros países da CPLP querem apostar mais. Há momentos críticos em que a CPLP é muito importante – pense-se nas várias crises na Guiné-Bissau -, mas aí a peça Brasil é fundamental.”
– Por muito que isso possa incomodar alguns portugueses (e angolanos) qualquer desenvolvimento e aprofundamento da CPLP tem que ser feito com o Brasil e sem lhe negar uma certa predominância que resulta diretamente do seu peso económico e demográfico no mundo lusófono.
“regime experimentais (de vistos) entre Portugal e Angola, de vistos de duração mais ampla, foram rejeitados pela União Europeia, que os considerou incompatíveis com Schengen. Penso que a UE acabará por aceitá-lo com Angola, tal como aceitou com o Brasil.”
– Portugal tem que encontrar formas de realizar a sua aproximação com a lusofonia sem abandonar a Europa. Mas se, a dado momento, esta conciliação de contrários se revelar impossível, se a Europa se tornar no “império plutocrata” que hoje já podemos antever, então devemos dar o passo estratégico decisivo e buscar – primeiro – a autarquia, isto é, formas de independência económica que nos permitam produzir o essencial do que consumimos, dispensar os luxos acessórios que não são essenciais, focar a nossa economia numa Economia Local, de produção local para consumo local e de produção de bens culturais que realizem o Homem e nele, o nosso destino histórico, criando as bases diplomáticas e políticas para a transformação da CPLP na “União Lusófona” sonhada por Agostinho da Silva.
“Portugal tem sempre grandes vantagens (com Angola). Por redundante que pareça, a língua é sempre uma vantagem. Ainda ontem, num jantar na Embaixada, um angolano contava como o trabalhador angolano prefere trabalhar na construção civil sob a direção de portugueses e evita os chineses. Porque o português tem uma maneira de ser; para o bem e para o mal – nas paragens para almoçar; nas pausas para ver o futebol”
– e em tudo o mais… Existe uma “forma portuguesa” de estar no mundo que transmitimos às culturas dos países de fala portuguesa, através desse veículo de sentimentos que é a língua. Existe uma “vida conversável” (Agostinho da Silva) na África de língua portuguesa que pode ser percepcionada caminhando pelas ruas de qualquer localidade africana, com grupos de pessoas trocando ideias e opiniões às portas de qualquer café ou nos bancos de madeira à porta das tabancas ou no meio dos campos de cultivo expondo um prazer que não encontramos nem nos nórdicos nem nos chineses. É a forma portuguesa de viver, menos “laboratore” que a germânica que a Europa exógena nos tentou impor e partilhamos com os povos de nossa fala.
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