
Elisa Ferreira (www.delegptpse.eu)
“Não houve em 2008 uma opção súbita dos Estados – Portugal inclusive – pelo sobre-endividamento; este foi consequência de uma crise causada pela intencional desregulação dos mercados financeiros ativamente patrocinada por múltiplos agentes (incluindo políticos e académicos) de um e do outro lado do Atlântico – o filme “Inside Job” merece ser visto para o relembrar: O sobre-endividamento das famílias e das instituições foi a base do modelo financeiro-especulativo e, quando a bolha rebentou, a factura começou por se exprimir nos orçamentos estatais. Como recentemente sublinhou o comissário Joaquin Almunia, 39% e 17% do PIB europeu, respectivamente foram disponibilizados e gastos pelos países da UE em intervenções de salvação do setor financeiro”
» Há aqui uma certa falácia… é verdade que a maioria dos Estados europeus teve realizar injecções massivas de Capital na Banca (Irlanda e Espanha, sobretudo), mas esse não foi o caso de Portugal. De facto, Portugal teve apenas metade desse esforço europeu e se a nossa dívida externa disparou tal deveu-se a 3 outros fatores: um descontrolo da despesa de muitos ministérios (especialmente na Saúde), ao aumento do preço do petróleo (responsável por metade do nosso défice externo) e ao aumento brutal do serviço da dívida.
“As economias reagiram diversamente, tornando visível o que estava latente: as brutais disparidades de competitividade entre Estados Membros que, tal como a teoria da integração sempre previra, não tinham parado de aumentar”
» O euro encontra-se no epicentro da atual crise precisamente porque é uma irracionalidade: uma moeda única para economias imensamente díspares. Esta irracionalidade é a causa pela qual os especuladores assentaram baterias contra os países mais periféricos e com economias menos competitivas. A atual (e incurável) Crise do Euro decorre de a moeda ter sido adotada antes de existir a mínima harmonização dos sistemas fiscais, dos níveis salariais e dos padrões de produção e consumo. Perante um conjunto tão dispare de situações económicas, pretender estabelecer uma “moeda única” só poderia ser um disparate com as consequências que hoje estão à vista de todos: uma periferia hiperconsumista e um centro produtor e credor que agora exige os juros de uma política de décadas de destruição dos setores produtivos em trocas de subsidiarização.
“o tigre celta revelou quanto do seu virtuoso modelo dependia da batota de um irc de 12.5% (…) os ataques especulativos não resultaram tanto de uma dívida ou de um défice excessivo da zona euro (sobretudo comparativamente ao dolar) mas mais da divergência interna crescente entre as economias reais dos países que a compõem, na ausência de políticas ou instrumentos reequilibradores.”
> pode haver “união económica e monetária” sem harmonização das políticas fiscais? O dumping fiscal irlandês atraiu para a Ilha muitos negócios e unidades industriais… os desequilíbrios de competitividade assim criados explicaram em boa medida o crescimento do “tigre celta” (hoje, tornado num gatinho pouco mais que anémico) e não deviam ser permitidos num contexto de união monetária. Se o foram, tal sucedeu porque os dogmas do neoliberalismo se introduziram fortemente nas orientações políticas da Comissão Europeia…
“Sobre a Alemanha, e citando o prestigiado correspondente alemão do Financial Times: “Toda a gente compreende que a integração europeia é a base do sucesso do pais depois da guerra, da sua ascensão ao estatuto de uma das economias mais fortes do mundo e da sua reunificação política. Não é difícil explicar que uma economia fortemente exportadora beneficia do euro e da eliminação das variações na taxa de câmbio.”
> claro que não. A Alemanha tem beneficiado muito do euro. Tem assim muito mais que o dever moral de apoiar os países periféricos que por força de sobre-endividamento criado pelo hiperconsumismo dos seus produtos estão agora em dificuldades. Se não o fizer, arruína a economia dos seus próprios maiores parceiros comerciais (que são, na maioria, intra-europeus) e condena a uma crise a sua própria Economia. Não ajudar, assim, os países periféricos, é mais do que ser ingrato. É ser estúpido.
O euro é uma moeda artificial. Foi forjada a partir de uma determinação política, para erguer uma União Europeia a partir de um alicerce económico. Não poderia jamais acomodar realidades económicas muito diversas, que tinham todo um mundo de riqueza, produtividade e rendimentos separando-os… Para colocar todos os membros da União Europeia num único saco de gatos, tentou conciliar-se o inconciliável. Colocados perante tamanho imperativo, os pequenos e periféricos julgaram-se subitamente ricos e entraram numa espiral de endividamento crescente e explosivo – a prazo – que hoje os coloca à beira da Bancarrota. Os país com economias onde o setor produtivo era mais forte (como a Alemanha e França) passaram pelo Euro com relativo à vontade, porque continuaram a exportar para os países periféricos, mas estes entraram num aumento de dívida descontrolado.
A prazo, não se antevê outra solução senão a saída dos países periféricos do Euro ou o seu próprio fim, caso um país da dimensão de Espanha entre em Bancarrota ou um dos grandes países (França, Alemanha ou Itália) decida sair do sistema monetário comum. E numa Europa sem líderes, sem estratégia comum nem uma verdadeira “alma europeia” ou um sentido de “pátria comum” esse destino é inadiável e inevitável…
Fonte:
Elisa Ferreira
Sol 23 de dezembro
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