
Teixeira de Pascoaes em http://www.elpais.com
“Criar um novo Portugal, ou melhor ressuscitar a Pátria portuguesa, arrancá-la do túmulo onde a sepultaram alguns séculos de escuridade física e moral, em que os corpos definham e as almas amorteceram.”
Como almejava a Renascença Portuguesa, também o Movimento Internacional Lusófono deve chamar a si a missão histórica de recuperar a Pátria portuguesa, fazendo-a reencontrar a sua Alma perdida por um processo de “assimilação norte-europeia” que descaracterizou a forma portuguesa de estar no mundo: fraterna, cooperativa, comunitária e profundamente religiosa nesta religião de anti-sépticos tão ao estilo germânico dos “senhores altos e loiros” que nos regem e querem imperar a partir da sua altaneira capital imperial de Bruxelas. Depois de obscurantismo provincial salazarismo, mais a sua visão temerosa do mundo e do Homem, depois da uma deriva desorientada mas bem intencionada dos “anos loucos” pós-revolução de Abril e após os anos do Cavaquismo em que Portugal foi o dócil “bom aluno” europeu enquanto asfaltava o seu território para facilitar a entrada das importações europeias e espanholas enquanto arrancavam a sua vinha, despovoava os seus campos e abatia a sua frota pesqueira. Foi este país “de Serviços” com um peso doentiamente elevado do sector financeiro e do turismo contra todos os demais sectores produtivos que nos chegou até hoje.
“Por isso, a Sociedade a que me referi, se intitula “Renascença Portuguesa”. Mas não imagine o leitor que a palavra Renascença significa simples regresso ao passado. Não! Renascer é regressar às fontes originárias da vida, mas para criar uma nova vida.”
Esta confusão, cujo esclarecimento mereceu neste ponto o devido esclarecimento do filósofo não ocorre na designação do MIL. Movimento, aqui, significa e encontra raiz no termo latino “motu” comum à palavra “motivar”. E o Movimento assumiu como missão levar Portugal de encontro à sua missão histórica de reencontrar a Alma-Nação que é Portugal consigo mesmo. Como a Renascença, o MIL, procurará, sob varias formas reencontrar Portugal consigo mesmo, recentrando-o sobre aquilo que tem de diverso da massa amorfa e asfixiadoramente uniformizante da Europa do norte. Portugal tem que saber aquilo que é para poder verdadeiramente desenvolver-se e vencer este longo e duradouro sentimento de inferioridade que sentimos desde que o Marquês de Pombal declarou o atraso da nossa sociedade era atávico e permanente e que somente um Estado “sábio” e paternalista poderia gerir. Esta visão paternalista e superior da Sociedade haveria de sobreviver ao Marquês e ao recuo às suas políticas sob Dona Maria e de perpetuar-se no Estado Novo perpassando ainda hoje nalgumas atitudes arrogantes e sobranceiras de boa parte da “intelectualidade” contemporânea.
“A Pátria Portuguesa viveu; atravessou depois alguns séculos de morte; por fim, numa alvorada heróica que fez erguer do sepulcro a sombra de Nuno Álvares, acordou do seu profundo sono, levantou-se num ímpeto sôfrego de vida; e, sob a instantânea luz que a deslumbrou, ei-la ofuscada e cega, tacteando, sem ver o caminho verdadeiro e a terra firme para os seus pés.”
Os “séculos de morte” a que Pascoaes se refere neste passo são aqueles que se seguiram à aventura desastrada de Dom Sebastião em África e a consequente perda da Independência, sob o Império espanhol. Este afastamento do curso autónomo da portugalidade foi reposto pelos insurrectos de 1640 e pela dura guerra de independência que se lhe seguiu. E propulsaria – pela singularidade e dificuldade de uma guerra contra aquela que era à época a maior potência do mundo – a sobrevivência de Portugal até aos dias de hoje. Na época do poeta de Amarante, a Republica recentemente implantada, ameaçava derivar e ofuscada pelas luzes que lhe chegavam de Paris, perder o rumo, repelir o mundo rural com que o poeta mais se identificava e renegando a própria Alma Portuguesa destruir a trama ética e substantiva que servia de base estrutural a Portugal.
“Se não existisse uma alma portuguesa, teríamos de evoluir conforme as almas estranhas, teríamos de nos fundir nessa massa amorfa da Europa; mas a alma portuguesa existe, vem desde a origem da Nacionalidade; de mais longe ainda, da confusão de povos heterogéneos que, em tempos remotos, disputaram a posse da Ibéria.”
E não nos fundiremos jamais, porque não somos verdadeiramente “europeus”, mas portugueses no mais pleno sentido do termo que nos coloca fora de qualquer continente ou território estrita e geograficamente delimitado. A fusão de Portugal na Europa só poderá acontecer se nos anularmos enquanto nacionalidade e individualidade como pretendem os “senhores de Bruxelas” e os seus “mercenários de Armani” que sob seu mandato nos regem. Amorfidade, é a da sanha normalizadora de Berlim, sob o seu entreposto bruxeliano, e contra ela resiste e resistirá sempre um espírito arreigadamente livre de origem Lusitânia e viriática.
“A Saudade é o próprio sangue espiritual da Raça; o seu estigma divino, o seu perfil eterno. Claro que é a Saudade no seu sentido profundo, verdadeiro, essencial, isto é, o sentimento-ideia, a emoção reflectida, onde tudo o que existe, corpo e alma, dor e alegria, amor e desejo, terra e céu, atinge a sua unidade divina.”
Teixeira de Pascoaes encontra na Saudade o sentimento nacional que explica o milagre da sobrevivência de Portugal numa Península onde a voraz centralização de Castela tudo aglutinou. Somente pela presença de uma tão singular expressão de um sentimento nacional tão poderoso como a Saudade se pode explicar esse milagre. A Saudade pascoaliana é esse sentimento de ausência de um futuro eternamente incumprido. A sensação difusa experimentada por todos os portugueses e perpassada destes pelo mundo lusófono de que algo se perdeu, em dado momento no passado, algo que pode ser reencontrado através da transição do país incorpóreo que é “Portugal” e que só por coincidência histórica se confunde com esta realização material incompleta e imperfeita que é o “Portugal Europeu”. A Saudade é o desejo pelo cumprimento do desejo universalista e sem fronteiras que habita na alma portuguesa desde os tempos em que os cónios comerciavam com fenícios e os turdulos trocavam o seu cobre nas britânicas cassitérites. Esta sensação de ausência do tempo perdido não é depressora, não é negativa porque impele a que o sujeito saia de si, se ultrapasse e desafie o reino das possibilidades, alavancando aventuras irrazoáveis e que nunca passariam por germânicas cabeças a não que outros, percursores, mediterrâneos, ibéricos e de matriz lusitana, lhes mostrassem esse caminho.
“E por tudo isto, Portugal não morrerá; nem uma Pátria morre, no instante em que encontra o seu espírito. Portugal não morrerá, e criará a sua nova Civilização, porque vê que a sua alma é inconfundível, que encerra em si um novo sentido da Vida, um novo Canto, um novo Verbo e, portanto, uma nova Ação.”
Esta é a verdadeira questão. Somente pela anulação da alma portuguesa – missão primeira de uma Europa que nos quer “normalizar” – pode Portugal morrer. Assumida apenas a forma, encerrada em fronteiras terrestres escassamente distribuídas numa Península dominada pelo império de Madrid e onde as aspirações autonómicas das periferias são culturalmente subjugadas aos interesses centralizadores da Meseta castelhana, Portugal terá que resistir, enfrentando essa velha pulsão centralizadora de Madrid e os mais jovens impulsos federalistas de Bruxelas que nos quer tornar numa mera “região” europeia, docilizada, domesticada e eternamente submissa aos interesses dos norte germânico. Se lograr cumprir as profecias de Bandarra, Vieira e Pessoa, Portugal será o primeiro esteio, complementado a sudeste pelo segundo esteio salomónico da Lusofonia que é o Brasil, de uma nova civilização, mais humana, menos materialista e cumpridora da promessa universalista e fraterna que os Descobrimentos deixaram antever e que apenas os impulsos mercantis do “capitalismo real” de Dom Manuel e Dom João III deitaram a perder.
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