Teixeira de Pascoaes, A Saudade e o Saudosismo, Assírio & Alvim
Justiça Social: os Lavradores Caseiros
“Os lavradores são a parte mais esquecida do nosso Povo, porque vivem longe do mundo onde se luta e pensa, em perfeita noite medieval, povoada de bruxas e fantasmas e de todas as superstições católicas que os padres, estreitos e broncos, lhe injectam na alma, como se injecta um veneno – nessa alma que, a nu e a limpo, é aquela Alma excepcional, instintivamente naturalista e mística, que criou a Saudade, promessa duma nova Civilização Lusitana.”
Teixeira de Pascoes elege o catolicismo e nos seus efeitos na sociedade portuguesa ao longo dos tempos como o maior singular responsável pela situação de atraso atávico de Portugal. Não que Portugal fosse necessariamente um país “fidelíssimo” a Roma, pois se assim fosse não teria tido tantos dos seus reis excomungados por Roma… Mas existe efetivamente algo na sua própria génese que propicia a um certo tipo muito pernicioso de fanatismo religioso.
“Defendam-se as classes populares que o sangue alma do País; o resto é uma mixórdia europeia sem carácter, sem pátria, um pouco parisiense e romana, um elemento apenas de dissolução e morte.”
As “classes populares” são em Pascoaes a mais pura e plena expressão do espírito de Portugal. É nas gentes do interior rural e do nascente operariado urbano que o poeta encontra vivo o espírito aventureiro, ctónico e naturalista, com uma visão da religiosidade muito pessoal e algo herética, com laivos priscilianistas e de cultos naturalísticos e à deusa-mãe que sempre provocaram urticária em Roma e que levaram a reacções mais ou menos violentas da hierarquia católica que haveriam de produzir os numerosos excessos da Inquisição e dos “domini cani” que a História registou. Oposta a esta verdadeira portugalidade, com quem se identifica, Teixeira de Pascoaes coloca as camadas urbanas, descaracterizadas e rejeitando a sua própria alma, por influência da cultura norte-europeia que embriagadas num processo de “modernização forçada”, ontem como hoje, se afastam do espírito livre e independente que esteve na génese da nacionalidade e que ao rejeitarem, acabam por pôr em risco.
“Como o Portugal de D. João I, o de 1640, o de 1810, o Portugal republicano só pode e deve contar com o Povo. E o Povo rural e agrícola, a quem a terra oferece a sua mão de Noiva fecunda, depois de educado e libertado, será a base indestrutível duma Democracia rústica e campestre, que há de dar a sua flor original e eterna, sob a invocação de Pã e de Jesus.”
Ainda que seja governado por elites que desde a queda da monarquia se identifiquem mais com o exterior do que com os valores da cultura portuguesa, a verdade é que nos momentos realmente críticos, quando Castela ameaça anexar o país, quando a presença filipina se torna tirânica, quando os franceses delapidam o património físico e cultural ou quando o regime pós-salazarento arrasta o país e as colónias para uma guerra anacrónica e eternizante quem se levanta e quebra o putrefacto estado de coisas é o povo. Não são as elites políticas, compostas por pouco mais de 400 famílias, que se alternam no poder, geração após geração que sacodem o jugo estrangeiro. Não são também as elites culturais, provincianas, no sentido em que se limitam a importar e a adaptar modelos estrangeiros, incultas, no sentido em tentam produzir “cultura” desprezando e considerando como pequeno e estúpido o próprio Povo de cuja matriz provêm e cuja Cultura popular deviam respeitar. Estas elites culturais que voam como luminárias em torno das raras migalhas que o Poder lhes vai deitando, gabando-se por “nunca terem trabalhado” na vida, sempre distantes de todos os temas e problemas quotidianos e desprezando qualquer intervenção “não cultural” e política na Vida são alias, mais do que uma classe política incompetente e corrupta responsáveis pelo pantanoso atual estado de coisas.
Ontem, na primeira República de Pascoaes, e hoje, na terceira, será do povo, do seu levantamento certo e seguro, que nascerá a próxima “República Monárquica” portuguesa. Nela, o Povo encontrará novamente o direito de representatividade numa nova camada de lideres, distinta da decadente e egótica intelectualidade atual ou dos grupos de famílias políticas e identificada num rei electivo e popular, bem ao estilo das monarquias electivas suévicas e visigóticas de Agostinho da Silva. Esta nova elite, em comunhão plena com o povo urbano e rural, devotará à sua Educação o papel prioritário que ela deve ter, porque não há verdadeira democracia sem educação e decisão informada por parte dos eleitores, hoje tão enganados por truques eleitorais e por “actores políticos” telegénicos e de discurso previsível e ensaiado por gabinetes de “marketing político”. Esta nova democracia, pilar de uma quarta república será de caracter “rústico e campestre”, porque assente numa descentralização municipalista que devolverá ao interior e ao local, aquilo que foi literalizado e centralizado desde Dom João III, sempre buscando esse cimento fundamental das civilizações que é o espírito religioso hoje negado pelos “tecnocratas” de Bruxelas, e conciliando “Pã” (as raízes pré-romanas e naturalísticas da religião popular portuguesa) e Jesus (os traços filosóficos, redentores e igualitários do primeiro cristianismo).
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