Existem diversos relatos, publicados na imprensa brasileira a partir de um um artigo publicado em Portugal pelo “Jornal de Notícias” segundo os quais alguns passageiros do voo AF477 quando se aperceberam de que algo estaria muito mal com o Airbus teriam enviado mensagens “Eu te amo” e “Estou com medo” aos seus familiares. A notícia, no JN, surje confirmada pelo presidente do sindicato das empresas aeronáuticas do Brasil, Ronaldo Jenkins que, segundo o Jornal de Notícias: “O presidente do sindicato das empresas aeronáuticas do Brasil, Ronaldo Jenkins, que teve acesso à zona restrita onde os familiares das vítimas acompanham o desenrolar das operações, confirmou ao JN que as SMS foram enviadas pelos passageiros.”
Estas mensagens de SMS teriam sido enviadas quando o avião sobrevoava o arquipélago de Cabo Verde, ou mais especificamente, a Ilha do Sal. E é aqui que reside o primeiro problema da história… É que o avião terá caído no Atlântico, a muitas centenas de quilómetros da ilha do Sal (ver AQUI) e logo muito para além do alcance máximo de uma antena de GSM (35 km) e em pleno Atlântico, simplesmente não há torres de telemóvel.
Mas o maior problema desta história do JN está em que… O dito sindicato publicou uma breve nota onde afirma que o seu presidente nunca prestou tais declarações ao Jornal:
“SNEA nega informação sobre mensagens de passageiros
Diferentemente que foi divulgado por uma publicação portuguesa, não partiu do diretor técnico do SNEA, Ronaldo Jenkins, a informação de que passageiros da voo AF 447 da Air France teriam enviado mensagens de celular para os familiares quando perceberam problemas com a aeronave.
Esta informação foi levantada por um repórter e descartada pelo diretor do Sindicato, que considera praticamente impossível que tais mensagens tenham sido enviadas por celulares convencionais, exceto se houvesse algum link por satélite.”
Ou seja, um jornalista do JN ouviu o rumor (fundado em diversos relatos de familiares que diziam ter ouvido o “som de marcação” ao ligar para os seus entes queridos), pergunta a Ronaldo Jenkins se teria sido possível enviar SMS do avião e tendo ouvido o “praticamente impossível”, agarram-se ao “praticamente” e adulterando completamente a notícia, dão como confirmação aqui que, de facto, foi uma negação… Mau jornalismo, sensacionalista, na melhor das hipóteses, ou meramente fraudulento, na pior. A notícia (falsa) teve logo um imediato eco em várias fontes noticiosas, chegando a televisões brasileiras a vários meios de comunicações estrangeiros (norte-americanos e dinamarqueses, entre vários).
A notícia começou a parecer falsa logo que o brigadeiro Mauro Gandra, antigo ministro da Aeronáutica e antigo diretor-geral do Departamento de Aviação Civil, quando confrontado com esta notícia tinha já dito que “seria muito difícil transmitir mensagens por telefone móvel, já que o avião estava fora do alcance das torres de transmissão”. Mas há também a questão do bom senso… Como acreditar que alguém, dentro de um avião em queda livre (aparentemente vertical), conseguir tirar o telemóvel, ligá-lo, inserir o PIN, escrever a mensagem (por curta que fosse) e enviá-la, tudo isto em cinco minutos e com grande confusão e pânico?
A notícia (falsa) pode também ter tido as suas origens no facto de sistemas automáticos de alerta terem enviado informações sobre avarias sucessivas para Paris, usando o Aircraft Communication Addressing and Reporting System (ACARS) durante os últimos cinco minutos de voo, mas este sistema de “mensagens que, de facto, consiste no envio bruto de uma série de mensagens de código como NAV ADR DISAGREE (indicando conflitos entre sistemas de voo) ou ADVISORY (Code 213100206) que significa”cabin vertical speed warning” são enviadas não por SMS/GSM, mas por rádio frequência (VHF ou Satélite).
É claro que várias companhias aéreas estão hoje em dia a permitir o envio de SMS, MMS e e-mail a partir dos seus aparelhos (ver AQUI), mas de forma limitada, mas apenas no Airbus A318 e em voos europeus (o sistema ativa-se automaticamente a partir dos 3 mil metros), logo, não neste voo AF447.
Há uma possibilidade de envio de SMS nestas condições: O uso de um telemóvel satélite como os da Iridium (os mesmos que permitiam ao governo angolano localizar e abater Savimbi), mas não há qualquer indicação de que um tivesse sido usado no AF447, além da natural e já citada objeção de que demora muito tempo a ligar um equipamento destes, sobretudo sendo um telefone por satélite, que só para arrancar demoram uns bons 40 segundos (ver AQUI) e que como funcionam com sinais muito fracos têm fracos desempenhos com aviões deslocando-se a velocidades de cruzeiro e ainda por cima colocados dentro de uma carlinga que isola por parte dos sinais de rádio que vêm do exterior. Logo, devemos descartar também esta derradeira possibilidade..
O envio de SMS por GSM a partir de um avião não é impossível, mesmo sem recurso aos sistemas OnAir usados pela Air France e pela companhia aérea dos Emiratos. Isso mesmo ficou provado quando os passageiros do avião do “Flight 93” do 11 de setembro enviaram várias mensagens aos seus familiares (outra possível inspiração para esta história). Mas aqui, o avião sobrevoava várias torres de telemóvel, voava a uma velocidade inferior e, sobretudo, os passageiros tiveram mais tempo para reagir e tudo não aconteceu de súbito, às três da manhã de um voo intercontinental…
Fontes:
http://tvi.com.br/v2/noticias/noticiasExibir/0,NTVI,7,11,230,3432,EX-1,PASSAGEIROS+DO+VOO+AF447+ENVIARAM+SMS+AOS+FAMILIARES+DIZ+JORNAL.html
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Mundo/Interior.aspx?content_id=1250367
http://en.wikinews.org/wiki/Passengers_on_Air_France_Flight_447_sent_text_messages_to_family_members_before_plane_disappeared?curid=127258
http://www.vg.no/nyheter/utenriks/artikkel.php?artid=544084
http://en.wikipedia.org/wiki/Air_France_Flight_447
http://www.huliq.com/1/81656/authorities-locate-air-france-missing-plane
http://tek.sapo.pt/noticias/telecomunicacoes/passageiros_da_air_france_podem_enviar_sms_a_883935.html
http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2008/02/08/air_france_permite_uso_de_celular_envio_de_sms_mms_em_pleno_voo-425538641.asp
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