A Morte e o Amor, os dois lados de uma só face: a Nossa;
a Ausência e a Ausência da Ausência, a Presença.
Ahh!, o Possível é, pois, o Impossível do Impossível…
ou o extremo do Impossível.
Como não Desejar alcançar a Terra do Nunca?,
se aqui, onde vivemos, é já a Terra do Nunca do Nunca,
e só por isso nela andamos.
Mas não, eu só quero a Terra do Sempre. Sem-pré.
É lá que mora o meu Coração Independente da Morte: de Si.
Eterno vagabundo, vag(ue)ando pelas ondas do Amor sem fim.
O Amor Real é o que se sente imortal, pois só assim se pode unir à Morte (que o precede): existir.
Só a Morte pode ser Amada, só assim o amador se transforma na amada.
O Amor Ama, a Morte é Amada. A Morte Ama o Amor, matando-O…
O Amor, espelho da Morte, mata a Morte: torna-a Imortal.
É Amando para lá do Amor – em Amor Absoluto, que a Morte é Amada para lá da Morte: que a Morte mata sem matar.
À falta de um Amor de(a) Morte que nos ligue, restou-nos nas mãos esta morte do Amor…
«Nas praças, nos templos e olivais
um grito de louvor à Terra, dançai!
Vim sem o esplendor da aurora, mendiga,
não como as musas de outrora, dadivosas Diotimas,
vim mendigar o que há muito vos ofertei, Poetas:
sopro-vos à garganta dilatada, vossos olhos ceguei
para que o fundo olhar se liberte. Sibila em agonia,
há tanto silenciada, falarei por vossas bocas,
em vossos versos arquejará minha voz embriagada, rouca –
sustos e soluços, gritos, silvos, neblinas de esgares,
mares de canto e pranto. No tempo além do tempo
meus lábios murmuram por ti e perto dos templos derruidos,
a respiração do velho Mar, seus haustos e gemidos.
Mostra-me o silêncio o lacre escarlate, verbo indigente
dos mitos que sempre me uniram às setas de Apolo.
Há tanto minha palavra foi calada, os deuses recuavam…
Mas os poetas mantiveram-me viva. O mais ínfimo
deu-me de beber e em sua hídria refresquei meu rosto.
Sensíveis a meu sopro, os maiores coroaram-me de folhas verdes.
O nascimento do Poema é o silvo que Apolo harmoniza e Orfeu faz cantar.
Rompendo as cisternas escuras eu vim, raiz coleante
por entre as pedras e a secura. Dilacerada, arquejante,
acolhe-me Apolo em seus braços de névoa.
Gemidos rasgam mil caminhos na gruta: Ai, ai, oh…
A Sibila arrasta-se no pó, soluça, seus lábios deliram,
traça no ar os gestos incertos dos agonizantes, colhe flores
na neblina. Ai, ai, oh… Foram-se os deuses da Grécia,
só espelhos reflectem espelhos, o eterno assim se dá e esconde.
Onde Afrodite, a de róseos tornozelos, ungida de óleo incorruptível,
com seus perfumes, colares e pulseiras cintilantes?
Onde Ártemis, a de doçura selvagem? Foram-se as ninfas
e hamadríades! Nunca mais a vida estuante dos bosques,
suas flores e clareiras, onde Zeus e Hera adormeciam ao calor do dia.
Ai, ai, neblina, o que enlaçarão agora nossos braços?
Não mais que névoa e vento. Apolo, assim te afastas, e me deixas presa
à teia indecifrável destes sons selvagens? Aaa Oooo…
Em teu ombro dourado me apoiava, inventando poemas que ditavas
a meu secreto entendimento. Infeliz de mim! Agora
só posso tocar névoa e memória. Dissiparam-se Mundo e Palavra.
A Sibila chorou.
Nesse momento as coisas cessam, silenciosas,
atemorizadas. Os ventos param de soprar,
nas árvores as folhas não se movem.
Os rios adormecem e o gigantesco Mar
é liso e sem ondas. Paira sobre tudo um
SANTO SACRO SILÊNCIO
Perde-se na neblina a medida do Tempo,
tudo se abisma no silêncio, à espera
do alto Deus, meta dos séculos.
A Sibila abre os grandes olhos
e vê o Deus que nasce.
A Mãe, junto ao Menino, parece uma vinha
e enquanto a Lua surge, clara, ela adora
o Filho em seus braços. De ouro vivo é a Criança
e em resplendores toda a gruta se ilumina.
Luz nascida como o orvalho descendo do Céu à Terra
e em torno, suavíssimo aroma.
Anjos perpassam, alígeras borboletas
e cantam: Amém.
A Sibila sorri.
Um cântico novo brota em seus lábios, mas não é seu,
o infinito o modulou:
O aroma de teus perfumes é delicado
e teu nome, óleo que se derrama.
Serás novo júbilo e alegria…
Não repares em minha tez morena, que o sol queimou.
Irados, meus irmãos fizeram-me guardar as vinhas,
eu, esquecida da Vinha!
Ouço a voz do meu Amado batendo à porta
Lentos são meus pés e ao abrir a porta
o Amado já se foi. Corre minha alma
e o busca por toda a parte. Não respondes, Amor,
ao meu chamado?
Eu vos suplico, filhas de Jerusalém,
se o encontrardes
dizei-lhe que estou doente de amor.
O que tem ele – elas perguntam –
o que tem o teu Amado mais do que os outros
para que assim o busques, quase morta?
Meu Amado é róseo e brilhante,
meu Amado vermelho. Sua cabeça é de ouro puro,
seus cachos, negro-azulados.
Seus olhos são duas rolas
perto de um lento riacho.
Destila mirra
o lírio de seus lábios.
Sei que habita um jardim,
companheiros ouvem sua voz…
Oh, faze que eu também te escute!
Quem é essa que vem do deserto
como um cântaro apoiado a um peito amoroso?
Ele é um selo sobre seu coração,
sobre seu braço moreno,
pois o Amor é forte como a Morte,
seus centelhas são de fogo:
uma chama divina!
Dissipa-se na névoa um rosto efêmero,
mas a face do Amado permanece.»
Dora Ferreira da Silva, Poesia Reunida
Portugal está Vivo!…
Pois É a – Vera – Vida!
«Só na reflexão do espelho da água, ou do tempo que passa, se duplica e vem mostrar a eternidade: o céu se reflecte na terra.»
Dalila Pereira da Costa, Introdução à Saudade
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