“Internamente, se estabelece Portugal como uma rede de municípios republicanos e democráticos, cada um com sua constituição adequada às características locais, confiando-se a representantes ou convivência de todos eles a delegados que se reuniam em Cortes, sem prazo fixo, e a discutiam dos problemas particulares ou comuns do Reino; a tudo coordenando, havia o Rei, simultaneamente hereditário e electivo, ainda que por sanção, Rei sem capital fixa, mais fiando de seu passo que de um Paço.”
Agostinho da Silva: Ir à Índia sem Abandonar Portugal; Considerações; Outros Textos
O Professor define nesta frase aquilo que entende que devia ser a estrutura ou forma administrativa de Portugal: em lugar de um Estado centralista, ou mesmo de um Estado Regionalista, contendo um centro um cinco/centros de decisão, Agostinho elege o modelo regional municipalista. Concede aos Municípios o papel central na administração da Coisa Pública e da aplicação da Democracia. Com Agostinho, Centro administrativo, a Capital, diliu-se completamente entre as responsabilidades que seriam divididas pelas entidades eleitas locais. Os assuntos de interesse nacional (ou seja, comuns a todos os munícipes) seriam tratados, por consenso, nas reuniões de Cortes, que teriam lugar, não na Capital, mas num qualquer município da Nação, escolhida à vez. Sobre este conjunto pairaria um “Rei” embutido de funções representativas unificadoras, mas também arbitrárias e conciliadoras sobre este conjunto multiforme e diverso. Hereditário, porque escolhido de acordo com os méritos demonstrados pelos seus antepassados (ou seja, seria um cargo meritório e genético, não sucessório, I.e. Bragantino…), e permanentemente sujeito à aprovação (sanção) dos representantes dos Municípios.
Este modelo desta forma alternativa de “Regionalização” (termo que recorrentemente regressa ao debate político nem sempre pelas melhores razões, e quase sempre para procurar vazão às densas redes clientelares dos Partidos) conduz a uma “Regionalização Municipalista”, conceito compatível com o pensamento de Agostinho da Silva e com as teses ecómicas de E. F. Schumacher (ver também aqui).
E estas propostas mais não são que o ressurgimento da forma medieval portuguesa de vida municipal… Na Idade Média e até à reforma manuelina, os concelhos eram responsáveis pelo alistamento de milícias (determinantes no sucesso, p.ex. da batalha de Navas de Tolosa), ou seja, pela Defesa, e tinham responsabilidades no âmbito do direito fiscal, civil, processual e penal. Os seus dirigentes (alvasis ou alcaides) reuniam todas as semanas ao domingo e julgavam crimes de homicídio, agressão, roubo, agressão, etc. Administravam as terras e propriedades comuns do Concelho, assim como as estradas e a forças de “polícia” interna… As suas receitas provinham das multas judiciais, do rendimento das propriedades comuns e de taxas mercantis, para além das sisas…
Este é o tipo de Poder Local que Agostinho da Silva propunha, e a visão “micro” de um modelo alternativo de Sociedade que no campo “macro” se coaduna perfeitamente com um projecto universalista de ReLigação de todo o mundo lusófono numa única entidade federal ou confederal unindo não mais “Estados”, mas a “rede de municípios republicanos e democráticos” do Professor…
Publicado também em:
Comentários Recentes