(Michael Moore, o autor do documentário Sicko)
Os EUA são o único país do mundo que confia totalmente num sistema de seguros de saúde privados para cobrir com uma rede de cuidados de saúde toda a população, são por isso mesmo, o melhor exemplo para aquilo que seria a aplicação de um modelo idêntico, ou de um modelo mais privatizado do que o actual em Portugal, como pretende as empresas de Seguros portuguesas e como parecem ir caminhando os sucessivos governos (sempre mais ou menos frágeis na resistência aos interesses destes poderosos grupos financeiros).
Por isso é tão importante compreender como funciona o modelo americano, se é mais eficaz, no que concerne estrito tratamento dos doentes, mais eficaz, no que concerne aos custos e, sobretudo compreender se um sistema de saúde totalmente privatizado e controlado pelas seguradoras é melhor do que os sistemas mais ou menos estatais em funcionamento na Europa. Foi assim com grande interesse que ouvi a última edição dopodcast “Behind the news with Doug Henwood” com o próprio e que pode ser ouvido por AQUI dedicado precisamente ao tema, e inspirado pelo último e sempre polémico documentário de Michael Moore intitulado “Sicko“.
Desde logo coloca-se num sistema destes a primeira grande dúvida: Um sistema essencialmente privado e detido pelas seguradoras serve os verdadeiros objectivos de um Sistema de Saúde? Estes devem ser a Saúde, isto é, a redução do sofrimento humano e dos níveis de mortalidade… Idealmente no seio de um sistema económico e financeira sustentável, presume-se. Mas as grandes seguradoras não respondem perante os seus accionistas no que concerne ao número de vidas salvas, de operações realizadas com sucesso, de sofrimento reduzido, mas quanto à sua capacidade de obterem retorno para o investimento e quanto à sua rentabilidade e crescimento dos seus lucros (ou dogma neoliberal em vigor, considera em crise todas as empresas que não obtenham crescimento dos seus lucros na casa dos dois dígitos). Esta colisão de interesses: Saúde vs Dinheiro pode ser desde logo a primeira incompatibilidade insanável que um sistema de saúde totalmente privatizado tem que enfrentar.
É certo que todas as sondagens indicam que a maioria dos americanos estão satisfeitos com o sistema de saúde actual… Mas estes 85% geralmente presentes nas sondagens correspondem também aos que não usam plenamente o sistema. E de facto, no sistema dos EUA as consultas e operações de rotina – geralmente de baixo valor – são rotineiramente pagas e aceites pelas seguradoras, mas as cirurgias mais dispendiosas são recusadas numa taxa média superior a 30% e só depois do doente conseguir provar a necessidade da mesma, com documentos médicos é que são recusadas, e mesmo assim, nem sempre… De permeio perde-se um tempo precioso, especialmente em casos de cancros… E uma parcela dos doentes acabam por não contestar e – dada a urgência – pagar por inteiro a cirurgia… As empresas abusam assim do estado psicológico mais frágil em que se encontram os seus doentes para recusar as despesas mais elevadas… Enquanto as despesas se resumirem às de consultas ou de pequenas cirurgias, tudo bem, são pagas. Mas se aumentam, tornam-se “mais clientes” e começam as rejeições… E que não se pense que tal não se passa já em Portugal… Porque se passa e conheço casos concretos, aos quais – felizmente – o sistema público acabou por dar solução.
Se as despesas de Saúde de um utente de uma Seguradora excedem um determinado patamar, algumas limitam-se a cancelar o contrato! Como sucedeu com a Blue Cross, na Califórnia, tendo o tribunal obrigado a dita seguradora a pagar indemnizações no valor de 1 milhão de dólares aos lesados (ver AQUI). Segundo ficou provado em tribunal, a BlueCross realizou uma “limpeza” à base de dados dos seus clientes, procurando aqueles que não se encaixavam, ou seja, aqueles que estavam doentes ou que tinham estado doentes recentemente e pura e simplesmente cancelou unilateralmente os contratos.
Os defensores do modelo privado em vigor nos EUA recorrem geralmente a um par de argumentos de crítica dos sistemas essencialmente estatais correntes na Europa: impossibilidade de escolher o clínico por parte do doente e longos tempos de espera até à consulta, tratamento ou cirurgia. Mas o professor Len Dodberg do “National Wealth Program” deita por terra estas alegações infundadas… É que nos EUA os tempos de espera entre a marcação de uma consulta e a realização da mesma oscilam em média, entre as 6 às 8 semanas. E pior… Como nos EUA não existem listas de espera formais e monitorizadas, não têm também maneira de prioritizar os casos importantes sobre os menos importantes. Na Europa, nos sistemas nacionais de Saúde não existem praticamente listas de espera para cirurgias ou diagnósticos oncológicos, ao contrário do que sucede nos EUA. Recentemente, o responsável médico máximo pela Aetna (a maior companhia americana da área) admitiu que o tempo médio de espera até à realização de uma consulta de clínica geral de 17 dias, 38 dias para dermatologia e para uma cirurgia oncológica de 30 dias eram “inadmissíveis”, nas suas próprias palavras!
Nos EUA, os problemas de Saúde são actualmente a maior causa de bancarrota entre os particulares (em 2005 esta causa era a de “apenas” 50% dos casos). Na Europa isso é impensável, já que os casos realmente graves são custeados pelo orçamento público, não pelos particulares que adoecem ou pelos sistemas de seguros de saúde que com a renitência ou negação referidas nos parágrafos mais acima as vão pagando…
E o sistema americano de Seguros Privados de Saúde é o mais barato? Os defensores das teses neoliberais e do dogma do “privado > gestão mais eficiente que o Estado” diriam que sim… Mas não é isso que se passa! Os preços do medicamentos nos EUA são os mais caros do mundo e muitos americanos que vivem na zona da raia canadiana, vão ao Canadá comprar os seus medicamentos (ver AQUI ). E o próprio sistema de saúde dos EUA gasta o dobro da média das nações industrializadas, com uns espantosos 7129 dólares médios percapita !… E o pior é que 1/6 da população americana não está coberta por qualquer sistema de saúde, e mesmo 1/5 dos trabalhadores, também já não estão… É que se durante décadas foi norma quase obrigatória que todas as empresas concedessem a todos os funcionários planos de saúde, hoje, com a compressão aos custos imposta pela regra do “double digit” no crescimento dos lucros, até as maiores empresas estão a reduzir benefícios ou a não incluir planos de saúde nas suas novas admissões de pessoal… E uma boa parte destes custos advêm precisamente do uso de sistemas de saúde privados, múltiplos e redundantes entre si (por oposição a um sistema de saúde único e nacional), que respondem em custos burocráticos e administrativos por 31% dos custos totais do sistema (350 biliões de dólares por ano!).
Ou seja, não dos melhores sistemas no que concerne à qualidade do serviço prestado… Já vimos que não é também dos mais económicos ou eficientes financeiramente falando… E no global também não é nada brilhante! A Organização Mundial de Saúde coloca os EUA num humilhante 37º lugares (dados de 2000), com registos particularmente maus na importante área da mortalidade infantil (onde Portugal continua no topo das nações desenvolvidas). Estamos assim perante um sistema caro e ineficiente, mas altamente lucrativo para as empresas financeiras que se alimentam dele.
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Adoptei um princípio primário de que não abdicarei: mal vai uma sociedade que transforma em lucro a desgraça – neste caso a doença – dos outros!
A saúde nunca deveria ser um negócio mas serviço!
João: Cada vez acredito mais neste princípio: Quando uma determinada actividade faz depender o seu sucesso do Lucro, então deve ser entregue aos Privados (Indústria, Agricultura, Pesca, Serviços, etc), quando dela depende Sofrimento Humano, Vida ou se é uma entidade fiscalizadora ou de segurança, então não pode, não deve, nunca, sair da esfera do Estado. Seja ele o “estado municipal”, como defendo, ou o “Estado central”, que infelizmente ainda vamos tendo.
Que horror. Ainda vais preso por delito de opinião.
A dizer que o sistema de saude não deve ser privado? A fazer análise e a indicar dados? Prendam este homem já e com correntes de aço.
Enquanto os médicos poderem fazer “Bancos nos hospitais”, clinicas privadas, consultórios privados, consultórios próprios, centros de saúde, etc, nunca mais a saúde deixará de ser um negócio, que rende para muitos uns largos milhares de euros por mês, o que também dá muito geito a certas pessoas, que nunca entraram numa urgência de um hospital para serem consultados (enquanto houver amigos…)
Se quando eles e outras actividades profissionais, quando acabam o seu curso, lhes fosse dado a escolher apenas os lugares onde fazem falta, espalhados pelo território nacional, não tinham o poder que têm.
Pedro: Podes crer… Da maneira como as coisas vão, pensar contra Corrente e sobretudo contra a onda dominante é cada vez mais perigoso…
João: O grande problema da classe é o controlo apertado e artifical que a Ordem tem sobre a entrada de novos médicos nas faculdades… Esse controlo imoral e irracional serve apenas para reforçar o domínio de uma classe que domina pela raridade, contra a Saúde dos portugueses, mas a Favor dos interesses corporativos de uma das classes profissionais mais poderosas deste país…
O atendimento é um dever do cidadão e uma obrigação do profissional de saúde atende-lo,privatizar o SUS é tirar o direito de livre acesso a esses serviços.Cabe aos governos mellhorar o atendimento,gerando emprengos,melhores salários,mas hospitais,garantir uma qualidade de vida a população.Isso concerteza vai gerar votos futuros.